sexta-feira, 2 de março de 2012

O verdadeiro início do ano político brasileiro.

Da Agência Carta Maior



DEBATE ABERTO


Os idos de março

Os idos de março definirão o verdadeiro início do ano político brasileiro. As eleições de outubro abrirão o espaço de 2014. Um ano em que o Brasil irá se posicionar em continuar por uma senda de emancipação econômica, soberania e defesa de seus recursos naturais ou a possibilidade de voltar a um passado de irresponsabilidades administrativas e assalto ao patrimônio nacional.
O mínimo que a situação política e econômica do mundo atual exige de cada um de nós é a reflexão séria, razoável conhecimento da história e da formação das ideologias e, sobretudo, paciência nos embates teóricos, nos confrontos com a práxis fascista que, aos poucos, com o enfraquecimento do campo socialista, foram se tornando aqui e ali protagonistas de alguns dos acontecimentos históricos mais recentes.

Em outras palavras: o atual confronto de idéias entre o capitalismo neoliberal, parcialmente combalido, e a busca de alternativas ao seu já provado e nefasto exercício e sua prática perversa, necessita passar por um rigoroso e efetivo diagnóstico. Sob pena de vermos o século XXI repetir, com outras características e outros atores – é claro – as crises de 1914 e 1929, onde duas guerras mundiais subiram à ribalta e explodiram em meio a uma notável divisão ideológica, com a ascensão e o confronto entre governos fascistas e comunistas. E a crença cega de muitos, ou ingênua, para não sermos considerados pessimistas, numa democracia utópica, onde os contrários pudessem conviver em harmonia. 

Já não é novidade para aqueles que ainda se preocupam com essas questões observar que, ao se sentir ameaçado em alguns de seus pilares de maior sustentação – e a especulação financeira desenfreada e desregulamentada da segunda metade do século XX se tornou um deles – o capital reage com a violência que é da sua natureza. E se possível com a violência da guerra, dos golpes de estado, das eleições sujas. Volta-se inexoravelmente contra os trabalhadores e todos aqueles que dependem apenas da força do seu trabalho para sobreviver com um mínimo de dignidade. A isso alguém já chamou um dia de luta de classes.

O instinto de sobrevivência do capitalismo, se assim posso me expressar, tem atingido níveis inimaginados até mesmo pelos seus mais exaltados defensores, os seus domesticados e ao mesmo tempo agressivos think thanks... 

Institutos de pesquisas científicas, de pesquisas comportamentais e de publicidade, os mais modernos; o uso da tecnologia de ponta – informatizada ou não – com o entretenimento sendo dirigido com técnicas sutis de manipulação do pensamento; o uso descarado da propaganda subliminar, da chantagem política e econômica com o uso da força militar convencional ou mesmo nuclear; a mídia seletiva organizada na direção da despolitização do cidadão comum; a indisfarçável tentativa de estabelecer o pensamento único e o fim da História; a insistência e a imposição de um falso conceito de democracia, tudo isso e mais alguma coisa tem lançado a cada dia que passa a confusão em bilhões de mentes e corações. 

Confusão proposital, criada em sofisticadíssimos centros de estudos subsidiados pelas principais empresas corporativas na Europa e nos Estados Unidos. A ação do site Wikileaks e inúmeros vídeos espalhados pela Internet vêm comprovando o fato à exaustão...

Confusão para dividir. Dividir para reinar. Reinar para subjugar. O jogo é antigo e por mais que cada geração tente criar anticorpos ou pensamentos e práticas alternativas à usura, à riqueza desnecessária, ao poder pelo poder, ao culto à irracionalidade e ao efêmero, mais o capital se fecha em sua defesa, muitas vezes cooptando mentes brilhantes nas várias áreas do saber, com o pagamento de altíssimos salários e bônus anuais ou mesmo com ações das próprias corporações e empresas de governos com que ajudam a manter o comboio nos trilhos. Ou seja, a exploração da maioria.

Oitenta anos parece ser a média de vida do homem contemporâneo na terra. Portanto, se qualquer um de nós conseguisse levar uma vida regada a champanha e caviar nesses anos, pois bem, que os outros 99% da humanidade se lixassem, não é verdade? Pois essa é, sem tirar nem pôr, a situação que vive o mundo nesse início de novo século.

O doloroso nesse quadro é ver o esforço que se faz hoje por muitos daqueles que já foram protagonistas do pensamento alternativo, quando resolvem entregar os pontos e já não suportam mais defender as difíceis idéias do humanismo solidário, de uma sociedade mais justa, se possível sem classes. 
“Arroubos da adolescência”, “fui iludido na minha boa fé de jovem que queria mudanças”, “revoltas da juventude” e outras baboseiras do gênero são cinicamente usados (quando são) para encobrir o oportunismo, a falta de ética e de caráter, a traição à luta dos menos favorecidos. Os exemplos, infelizmente, têm se multiplicado em escala geométrica.

No Brasil, e é disso que se trata aqui, temos um curioso quadro político, onde traços surrealistas despontam aqui e ali à medida que os anos passam. Nossos mais destacados partidos políticos, aqueles que conseguem fazer o maior número de congressistas, governadores e prefeitos rechearam-se de políticos “profissionais”, boa parte deles sem qualquer formação ideológica mais consistente ou – o que parece ser ainda mais grave – a viver num constante pular de galho em galho, na suposta esperteza de ficar em cima do muro quando se pede deles uma definição e, caso nenhuma dessas alternativas seja assim tão aliciante ou moralmente confortável, a formar novos partidos, quase sempre sem lastros de representatividade popular. Fenômeno que se dá à direita e à esquerda do espectro político é bom que se diga.

A política tanto pode ser o exercício ético da administração pública em benefício de todos os cidadãos de uma cidade, de um estado, de um país, ou pode ser o valhacouto das grandes negociatas, cabide de empregos para amigos e familiares, esconderijo de bandidos engravatados e espertalhões como – aliás – tem sido escancarado a cada dia que passa. Tanto no executivo, no legislativo e no judiciário, esse triunvirato republicano tão ao gosto da retórica vazia de sentido. Independente do esforço daqueles que ainda lutam e se esforçam para que as coisas se passem de outra maneira.

A nova face da direita brasileira, com a natural renovação de seus quadros mais reacionários e conservadores, tem hoje a comandá-la vários integrantes da histórica esquerda do país, inclusive de adeptos da luta armada nos anos 60. Novidade? Nem tanto, apenas o número de oportunistas aumentou. A ideologia, também ela, se transformou numa mercadoria negociável na praça dos três poderes, onde a governabilidade por um lado e o apego ao poder por outro comandam as ações de homens e mulheres, muitos deles que ainda não perceberam que o país quer caminhar em novas direções. Não tanto por consciência política, como querem ou desejam alguns, mas por necessidade de sobrevivência.

O melhor exemplo dessa situação é o show de obstinação e insensibilidade que, há alguns anos, vendo dando o cidadão José Serra. Com uma trajetória iniciada ainda antes do golpe de 1964, José Serra carrega em seu currículo de homem público a mais estarrecedora imagem de quem persegue um objetivo que já nem ele mesmo sabe mais qual é. O poder pelo poder ou a possibilidade de levar a cabo uma tarefa incompleta em seus tempos de Fernando Henrique Cardoso: a entrega do país ao capital internacional. Ou ainda, com a publicação do livro “Privataria Tucana” a possibilidade de fugir à responsabilidade de ter que responder a uma CPI no Congresso Nacional.

Os idos de março definirão o verdadeiro início do ano político brasileiro. As eleições de outubro abrirão o espaço de 2014. Um ano em que o Brasil irá se posicionar em continuar por uma senda de emancipação econômica, soberania e defesa de seus recursos naturais ou a possibilidade de voltar a um passado de irresponsabilidades administrativas, assalto ao patrimônio nacional e impunidade para aqueles que se acostumaram com as migalhas da Casa Grande.

Escritor e dramaturgo. Autor da peça “Uma Questão de Imagem” (Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos) e do livro “Teatro de Arena: Uma Estética de Resistência”, Editora Boitempo.

Grande Lula: Extrema pobreza registrou queda recorde na América Latina

Via Blog do Gilvan de Freitas

Mais uma herança bendita de Lula

Extrema pobreza registrou queda recorde na América Latina

DA FRANCE PRESSE, EM WASHINGTON


O número de pobres que vivem com menos de US$ 1,25 por dia caiu a níveis recorde na América Latina no triênio 2005-2008, a 6,5% da população, a mesma tendência apresentada em todos os países em desenvolvimento, informou nesta quarta-feira o Banco Mundial.

 
Em 2008, um total de 1,29 bilhão de pessoas, o equivalente a 22% da população dos países em desenvolvimento, vivia em extrema pobreza, ou seja, com menos de US$ 1,25 por dia, a cota internacional fixada pelo Banco Mundial.

 
Isso representa uma queda pela metade em relação a 1990, quando o BM começou a avaliar de forma sistemática e integral a pobreza no mundo.

 
Também significa que o primeiro objetivo de desenvolvimento do Milênio, que era reduzir a extrema pobreza à metade em relação a 1990, foi cumprido antes da data limite de 2015, segundo as estatísticas do Banco.

 
Um total de 1,94 bilhão de pessoas vivia em extrema pobreza em 1981, o que acentua o êxito desta redução da pobreza, levando-se em conta o aumento geral da população mundial.

 
"Esta redução geral ao longo de um ciclo trienal de seguimento se dá pela primeira vez desde que o Banco começou a contabilização da extrema pobreza", explicou o texto.

 
AL E CARIBE

 
Na América Latina e no Caribe, "a partir de um máximo de 14% de pessoas que viviam com menos de US$ 1,25 por dia em 1984, a taxa de pobreza alcançou seu nível mais baixo até então [6,5%] em 2008", explicou o texto.
A porcentagem de pobres que vivem com menos de dois dólares por dia na região era de 12% em 2008, explicou em uma coletiva de imprensa por telefone Martin Ravallion, diretor do Grupo de Pesquisas do Banco.

 
Na América Latina, o número de pobres aumentou até 2002, mas veio diminuindo de forma pronunciada desde então.

 
BRASIL

 
O Brasil, nos governos anteriores à Lula, costumava competir com a África do Sul como o país com mais desigualdades sociais no mundo, mas as políticas sociais e o crescimento econômico também estão fechando esta lacuna no país sul-americano, assim como no resto da região, explicou Ravallion.

 
Embora o estudo tenha terminado em 2008, a crise econômica mundial que explodiu neste ano não teve a repercussão que se temia, disse o Banco.

 
"Análises mais recentes (...) revelam que, embora as crises dos alimentos e dos combustíveis, além da crise financeira ocorrida nos últimos quatros tenham provocado em alguns casos fortes impactos negativos (...), a pobreza mundial, em conjunto, seguiu caindo", explicou o texto.

Embora os países pobres tenham alcançado em seu conjunto o nível de redução de pobreza fixado pela ONU, regionalmente apenas a Ásia (Leste Asiático e Ásia Central) atingiu concretamente este objetivo.

 
"Diante do ritmo atual de progresso, cerca de um bilhão de pessoas seguirão vivendo na pobreza extrema em 2015", explicou Ravallion.

 
A pesquisa se baseou em 850 estudos e pesquisas em 130 países até 2008, em comparação com os 22 estudos utilizados pelo BM no início de suas medições mundiais da pobreza, em 1990.

 
ÁSIA E PACÍFICO

 
Por regiões, a Ásia oriental e do Pacífico mostrou o progresso mais impressionante: 77% vivia com menos de US$ 1,25 por dia em 1981, em 2008 esta porcentagem era de 14%.
Na Ásia meridional, a taxa de extrema pobreza caiu de 61% em 1981 para 36% em 2008.

 
Na África Subsaariana, pela primeira vez, menos da metade da população (47%) vivia com menos de US$ 1,25 por dia em 2008 (51% em 1981).

 
No Oriente Médio e Norte da África, 2,7% da população vivia em extrema pobreza em 2008.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

PT 32 anos: O PT, mais por suas virtudes que por seus defeitos, e mais rápido que todos esperavam e que qualquer partido de esquerda, chegou lá com Lula em 2002, de novo em 2006 e pela primeira vez elegeu uma mulher presidenta, Dilma Rousseff, em 2010.

Via Adital


Um senhor maduro

Selvino Heck
Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República
Adital


É um senhor maduro, este, o que esteve de aniversário sexta dia 10, embora pratique algumas inconsequências de vez em quando e eventualmente ande em companhias não tão recomendáveis. Mas está adulto, senhor de si, pleno de vida, dono de seu nariz e destino.

Falo do Partido dos Trabalhadores, fundado em 10 de fevereiro de 1980. A tentação, para quem é, como eu, um de seus fundadores, é relembrar o passado, daqueles tempos bons, mas também difíceis. De como a base popular participava da política através dos Núcleos do PT, como o que organizamos em 1980 na Lomba do Pinheiro, periferia de Porto Alegre e Viamão, na casa do pedreiro José Carlos Pintado, Seu Cantilho, onde nos reuníamos regularmente para aprender a fazer política, a participar de eleições com nossos candidatos populares, coisas que nunca tínhamos feito na vida. De como o partido fazia parte da vida da gente, como o faziam a Associação de Moradores, as Oposições Sindicais, as Comunidades Eclesiais de Base, a Pastoral Operária e os grupos de reflexão da Bíblia. De como lutávamos pela democratização do Brasil, por eleições diretas em todos os níveis. De como os primeiros mandatos de deputados e vereadores eram mandatos populares, colados à vida do povo, presentes em todas as lutas e mobilizações sociais dos pobres e trabalhadores. De como o Orçamento Participativo, com Olívio Dutra prefeito de Porto Alegre, foi uma revolução silenciosa no jeito de governar com o povo e com democracia – modo petista de governar -, experiência que ganhou o mundo.

Passaram-se 32 anos. A criança cresceu, o jovem apresentou-se à sociedade, angariou simpatias cada vez maiores e chegou à Presidência da República. O PT, mais por suas virtudes que por seus defeitos, e mais rápido que todos esperavam e que qualquer partido de esquerda, chegou lá com Lula em 2002, de novo em 2006 e pela primeira vez elegeu uma mulher presidenta, Dilma Rousseff, em 2010.

O senhor maduro, bem instalado na vida, precisa, porém, olhar para os lados, fazer um balanço e decidir o que fazer do futuro. Três são os dilemas principais: ser movimento e instituição; como lidar com os fins e os meios; qual o projeto, o sonho, a utopia.

No 1º Congresso do PT, início dos anos 90, o partido assumiu-se ao mesmo tempo movimento e instituição. Movimento, porque relaciona-se com a sociedade, em especial com os movimentos sociais, populares, sindical e as forças transformadoras, através de um programa, deve estar em permanente mudança e aberto ao novo, com capacidade de refletir sobre os novos tempos e os novos atores que surgem na conjuntura. Instituição, porque, por via eleitoral, participa de eleições e governa dentro das regras do jogo, está submetido, junto com as demais instituições brasileiras, à vida democrática e a suas imposições legais e constitucionais.

Os fins não justificam o uso de quaisquer meios, seja na disputa política eleitoral, seja na prática de governar ou de atuar no parlamento, ou na relação com a sociedade. A prática democrática e educativa, a vivência cotidiana da ética na política são a garantia de que o mundo novo, o novo homem e a nova mulher que se quer construir e ser, de fato vão acontecer.

Partido político como o PT, de esquerda, que veio para mudar, só tem sentido e sobrevive ao tempo se tiver um programa de transformação, se seus filiados e militantes mantiverem vivo o sonho de uma sociedade democrática, com justiça social, com igualdade econômica e lutarem pela utopia de ‘um outro mundo possível’.

Ao longo dos 32 anos do senhor maduro, muitas vezes o partido-instituição matou o partido-movimento, os supostos fins libertários, como em episódios mais ou menos recentes e em processos eleitorais, abrigaram meios nem sempre recomendáveis e de acordo com um partido da mudança, e muitas vezes o projeto, o sonho, a utopia renderam-se ao pragmatismo das alianças políticas, às formas de governar nem sempre transparentes e transformadoras.

Como tudo que se cria como movimento, necessariamente se institucionaliza com o tempo - e há muitos e próximos exemplos que confirmam a regra -, a dificuldade maior é manter o carisma, garantir acesa a chama de não se entregar ao jogo do mercado e da corrupção, não deixar-se dominar pela rotina e pela mesmice, ter olhos e ouvidos abertos, ser criativo, mirar no horizonte e não ficar limitado ao chão onde se pisa. Não é fácil, mas é necessário, imprescindível, para qualquer comunidade, congregação religiosa, movimento social e partido político. Para não tornar-se um morto-vivo ou ser varrido da história.

Mesmo com estes dilemas, a serem permanentemente enfrentados, o Partido dos Trabalhadores tem o que dizer e o que comemorar, no contexto histórico da política brasileira. Os tempos mudaram e a verdade se impôs. Ao contrário do que se dizia, o PT nunca foi bicho papão. Prova disso são as realizações ao longo dos 32 anos, a luta pela democratização do país, as inovações dos governos onde participou e participa, a dedicação a um projeto de país soberano, a defesa dos mais pobres e dos trabalhadores, razão principal de sua criação, a ressignificação da política como instrumento importante de ação coletiva e da construção de uma nação justa e soberana.

Em dezessete de fevereiro de dois mil e doze

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Para tristeza da velha mídia golpista Dilma, assim como Lula, não se rende à agenda ditada de Washington.

Via Tijolaço

Do sempre lúcido Mair Pena Neto, no Direto da Redação:
“A presidente Dilma Rousseff completou uma viagem de 48 horas a Cuba, comportando-se como verdadeira estadista, reforçando as relações entre os dois países e evitando os ardis plantados para que agisse como porta-voz dos Estados Unidos, reproduzindo as ladainhas provenientes de Miami e da Casa Branca. Dilma foi a Cuba em visita oficial para estreitar os laços com um país que precisa de mais investimento e de mais produtividade para avançar economicamente e manter suas conquistas sociais.
Assim como aconteceu com Lula, foi cobrado de Dilma que se manifestasse sobre a situação dos direitos humanos em Cuba. O que os responsáveis pelas cobranças desejavam, no fundo, era que ela sequer fosse lá, como todos os presidentes brasileiros desde a revolução de 1959 até Lula. Mas já que Dilma, assim como Lula, não se rende à agenda ditada de Washington, que se manifestasse publicamente contra as restrições políticas na ilha.
É curioso como a questão dos direitos humanos em Cuba “sensibiliza” tanto certas pessoas. Não se vê a mesma indignação em relação a qualquer outro país. Ninguém pediria que Dilma, em viagem aos Estados Unidos, se posicionasse publicamente pelo fechamento de Guantánamo, em pleno território cubano, mesmo com a cobrança recente feita pela alta-comissária para os Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, Navi Pillay, que apontou a base como local de constante violação destes direitos.
Dilma se recusou a tratar a questão dos direitos humanos como arma de combate político ideológico, e frisou que desrespeitos acontecem em todos os países, inclusive no Brasil. Não seria nada agradável para nós recebermos a visita de um chefe de Estado estrangeiro e ouvir comentários sobre a violência da ação de despejo dos moradores do Pinheirinho ou sobre a desumanidade da maior parte dos nossos presídios.
O Brasil é um país que aposta nas relações multilaterais como forma de pressão e de resolução de conflitos. Ele não vai fazer o papel de juiz do mundo e sair por aí condenando outros países, até porque tem suas próprias mazelas. Isso não significa omissão, pois o Brasil ganhou recente relevância no cenário internacional justamente por sua ação diplomática independente e soberana, que o leva a ser convocado a atuar nas mais complexas questões mundiais. Temas delicados, como direitos humanos, não se tratam com bravatas unilaterais, principalmente quando envolvem nações em situações extraordinárias, como a cubana, vítima de um bloqueio implacável há meio século.
Diria que a visita da presidente do Brasil a Cuba transcorreu de forma impecável e com acentuado caráter político. No trabalho prévio às 48 horas que ela passou na ilha, o chanceler brasileiro Antonio Patriota conversou com autoridades cubanas sobre questões relativas aos direitos humanos, e o Brasil concedeu visto de turista à blogueira Yoani Sánchez, que deseja vir ao país. Ao mesmo tempo, Patriota não aceitou o discurso fácil da condenação e, assim como Dilma faria em solo cubano, ressaltou que uma questão mais urgente e multilateral seria o fim da base de Guantánamo.
Com o crescimento de sua economia e a capacidade financeira de que dispõe atualmente, o Brasil tem muito mais a contribuir com Cuba ajudando no seu desenvolvimento, com implicação direta no bem estar das pessoas. As relações comerciais cresceram 31% de 2010 para 2011, e o Brasil é o segundo parceiro comercial de Cuba na América Latina, depois da Venezuela. Existem oportunidades para empresas brasileiras em Cuba, como provam as obras de ampliação e modernização do porto de Mariel, com a participação da Odebrecht.
Cuba precisa melhorar sua agricultura e recuperar seu parque produtivo, e o Brasil pretende participar deste esforço com a tecnologia e os processos desenvolvidos pela Embrapa, e, sobretudo, com um olhar mais solidário em relação aos vizinhos latino-americanos. Sentimento este, por sinal, muito inspirado por Cuba e seu internacionalismo, sempre manifestado pela presença de médicos e professores, onde for necessário, e não pelas armas ou posturas imperialistas.”

"Para além dos cálculos e dos códigos, dos cassetetes e dos tratores, existem vidas esperando ser simplesmente consideradas."



Via blog do Miro

Fascismo esmaga a solidariedade

Por Marcelo Semer, no blog Sem Juízo:
 

Meses atrás, manchetes de grandes jornais davam conta de que cem mil presos iam sair das cadeias da noite para o dia com a nova lei das prisões.

A fotografia de uma delegacia em Goiás nesta semana, com detentos jogados ao chão e algemados na parede por falta de vagas dá bem o retrato do embuste que foi a criação dessa expectativa.

Mas o discurso do medo teve lá a sua serventia. Como diz o escritor Mia Couto, "Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas".


Esse discurso elevado propositadamente à enésima potência tem servido para legitimar, se é que o verbo pode se adequar a hipóteses tão dramáticas, a política de ordem e disciplina que vem pouco a pouco se instalando em corações e mentes.

A forte repressão, policial e jurídica, à marcha da maconha; a tropa de choque contra estudantes na USP; a polícia na linha de frente da saúde pública, na Cracolândia; o abrupto despejo de milhares de almas em Pinheirinho.

Como drogados, estudantes rebeldes, famílias inteiras foram submetidas a doses de dor e sofrimento em nome do restabelecimento da ordem. Afinal, onde ficaria o respeito à propriedade privada e à decisão judicial?

Mas será que um terreno de um milhão de metros quadrados vazio por décadas, ao lado de milhares de pessoas que não têm onde morar, também não seria por si só uma violação da ordem?

Com o apoio de um certo terror midiático, que busca convencer que o fim do mundo está na próxima esquina, as políticas de estado vão sendo paulatinamente subordinadas a decisões bélicas -é basicamente disso que se trata quando a PM prepara por meses a inteligência de suas intervenções.

Acontece com frequência incomum na São Paulo atual, mas não apenas nela. Militarização e repressão tem se espalhado por outros cantos do país.

A supervalorização da ordem desconsidera, sobretudo, a solidariedade, fundamento dos principais objetivos de nossa República.

Eles ainda estão lá perdidos no art. 3º, da Constituição e lidos hoje parecem pouco mais do que contos de fada: "construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos...".

Se isso tudo que está no coração da Lei Maior não vale nada, como ensinar ao povo que a lei deve ser cumprida? Com a força e pronto.

O pior de tudo é que nossa experiência recente ensinou que a solidariedade, além de justa, produz efeitos colaterais irrenunciáveis.

As políticas de transferência de renda vitaminaram uma considerável ascensão social e revigoraram o mercado interno consumidor, importante para amortecer o peso da crise mundial.

É preciso apostar mais nas pessoas e não menos. Emancipar o povo fará do Brasil um país muito melhor -sacrificá-lo, o devolverá ao passado, não à modernidade que tanto se apregoa.

Afinal, privilegiar a ordem sem solidariedade é investir na mera dominação. Usar a polícia para tutelar a propriedade privada é coisa que se faz no país desde a escravatura. Mas a supervalorização da ordem que se vê hoje pode ir além do que o tradicional predomínio do mais forte: é um passaporte para o fascismo.

Um jornalista da Rede Record chorou em plena produção da reportagem quando viu uma criança de dois anos, chupeta na boca, sentada sobre um tijolo de sua casa despedaçada em Pinheirinho, talvez sem entender o que acontecia.

Também foi impossível ver a imagem do preso goiano deitado e algemado na parede e não se lembrar da amarra de um animal indócil.

Quiçá possamos ser um pouco reféns dessas imagens que nos perturbam e nos comovem.

Para além dos cálculos e dos códigos, dos cassetetes e dos tratores, existem vidas esperando ser simplesmente consideradas.

Por quanto tempo vamos ignorá-las?