DEBATE ABERTO
Contei em artigo publicado na revista Carta Capital e depois reproduzido no livro “A TV sob controle” o que vi e ouvi naquela manhã no Jardim Botânico, no Rio. Mostrei como se decide o que o povo brasileiro vai ver à noite, no intervalo entre duas novelas.
Laurindo Lalo Leal Filho, na Carta Maior
O destaque dado pela mídia ao Jornal Nacional na última semana, em razão das entrevistas realizadas com os candidatos à presidência da República, trouxe a minha memória o episódio de cinco atrás quando acompanhei com colegas da USP uma reunião de pauta daquele programa.
Contei em artigo publicado na revista Carta Capital e depois reproduzido no livro “A TV sob controle” o que vi e ouvi naquela manhã no Jardim Botânico, no Rio. Mostrei como se decide o que o povo brasileiro vai ver à noite, no intervalo entre duas novelas. Ficou clara, para tanto, a existência de três filtros: o primeiro exercido pelo próprio editor-chefe a partir de suas idiossincrasias e visões de mundo cujos limites se situam entre a Barra da Tijuca e Miami, por via aérea.
O segundo e o terceiro filtros ficam mais acima e são controlados pelos diretores de jornalismo e pelos donos da empresa, nessa ordem. Não que o editor-chefe não tenha incorporado as determinações superiores mas há casos que vão além de sua percepção e necessitam análise político-econômica mais refinada.
As entrevistas com os presidenciáveis passaram, com certeza, pelos três filtros e os resultados o público viu no ar. O candidato do PSOL tendo que refazer uma fala cortada pela emissora e a candidata do PT deixando de ser entrevistada para ser inquirida. Para os outros dois candidatos da oposição a pegada foi mais leve, de acordo com a linha editorial da empresa.
Nada diferente do que vi em 2005 quando uma notícia oferecida pela sucursal de Nova York foi sumariamente descartada pelo editor-chefe do telejornal. Ela dava conta de uma oferta de óleo para calefação feita pelo presidente da Venezuela à população pobre do estado de Massachussets, nos Estados Unidos, a preços 40% mais baixos do que os praticados naquele pais. Uma notícia de impacto social e político sonegada do público brasileiro.
Ou da empolgação do editor-chefe em colocar no ar a notícia de que um juiz em Contagem (MG) estava determinando a soltura de presos por falta de condições carcerárias. Chegou a dizer, na reunião de pauta, que o juiz era um louco e depois abriu o jornal com essa notícia sem tentar ouvir as razões do magistrado e, muito menos, tocar na situação dos presídios no Brasil. O objetivo era disseminar o medo e conquistar preciosos pontos de audiência.
Diante dessas lembranças revirei meu baú com mensagens recebidas na época. Foram dezenas apoiando e cumprimentando pelas revelações feitas no artigo.
Reproduzo trechos de uma delas enviada por jornalista da própria Globo:
“Discordo da revista Carta Capital num ponto: o texto ‘De Bonner para Homer’ não é uma crônica. É uma reportagem, um relato muito preciso do que ocorre diariamente na redação do telejornal de maior audiência do País.
As suas conclusões são, porém, mais esclarecedoras do que uma observação-participante. Que fique claro: trabalho há muito tempo na Globo, não sou, portanto, isento.
Poderia apresentar duas hipóteses relacionadas à economia interna da empresa para a escolha do editor-chefe do JN:
1) a crise provocada pelo endividamento levou a direção da rede a tomar medidas para cortar de despesas. Em vez de dois altos salários - o de apresentador e o de editor-chefe - para profissionais diferentes, entregou a
chefia ao Bonner. Economizou um salário.
2) como é profissionalmente fraco, não tem experiência de campo, nunca se destacou por nenhuma reportagem, o citado apresentador tem o perfil adequado para o papel de boneco de ventríloquo da direção do Jornalismo.
A resposta para a nossa questão deve estar bem próxima dessas duas hipóteses. De todo modo, os efeitos são devastadores: equipe dividida, enfraquecida e só os mais inexperientes conseguem conviver com o chefe tirano e exibicionista.
‘Infelizmente, é um retrato fiel’, exclamou uma repórter experimentada diante do seu texto.
Eu me sinto constrangido e, creia-me, não sou o único por aqui”.
É a esse tipo de organização que os candidatos à presidência da República devem se submeter se quiserem falar com maior número possível de eleitores. Constrangimento imposto pela concentração absurda dos meios de comunicação existente no Brasil, interferindo de forma perversa no jogo democrático.
Contei em artigo publicado na revista Carta Capital e depois reproduzido no livro “A TV sob controle” o que vi e ouvi naquela manhã no Jardim Botânico, no Rio. Mostrei como se decide o que o povo brasileiro vai ver à noite, no intervalo entre duas novelas. Ficou clara, para tanto, a existência de três filtros: o primeiro exercido pelo próprio editor-chefe a partir de suas idiossincrasias e visões de mundo cujos limites se situam entre a Barra da Tijuca e Miami, por via aérea.
O segundo e o terceiro filtros ficam mais acima e são controlados pelos diretores de jornalismo e pelos donos da empresa, nessa ordem. Não que o editor-chefe não tenha incorporado as determinações superiores mas há casos que vão além de sua percepção e necessitam análise político-econômica mais refinada.
As entrevistas com os presidenciáveis passaram, com certeza, pelos três filtros e os resultados o público viu no ar. O candidato do PSOL tendo que refazer uma fala cortada pela emissora e a candidata do PT deixando de ser entrevistada para ser inquirida. Para os outros dois candidatos da oposição a pegada foi mais leve, de acordo com a linha editorial da empresa.
Nada diferente do que vi em 2005 quando uma notícia oferecida pela sucursal de Nova York foi sumariamente descartada pelo editor-chefe do telejornal. Ela dava conta de uma oferta de óleo para calefação feita pelo presidente da Venezuela à população pobre do estado de Massachussets, nos Estados Unidos, a preços 40% mais baixos do que os praticados naquele pais. Uma notícia de impacto social e político sonegada do público brasileiro.
Ou da empolgação do editor-chefe em colocar no ar a notícia de que um juiz em Contagem (MG) estava determinando a soltura de presos por falta de condições carcerárias. Chegou a dizer, na reunião de pauta, que o juiz era um louco e depois abriu o jornal com essa notícia sem tentar ouvir as razões do magistrado e, muito menos, tocar na situação dos presídios no Brasil. O objetivo era disseminar o medo e conquistar preciosos pontos de audiência.
Diante dessas lembranças revirei meu baú com mensagens recebidas na época. Foram dezenas apoiando e cumprimentando pelas revelações feitas no artigo.
Reproduzo trechos de uma delas enviada por jornalista da própria Globo:
“Discordo da revista Carta Capital num ponto: o texto ‘De Bonner para Homer’ não é uma crônica. É uma reportagem, um relato muito preciso do que ocorre diariamente na redação do telejornal de maior audiência do País.
As suas conclusões são, porém, mais esclarecedoras do que uma observação-participante. Que fique claro: trabalho há muito tempo na Globo, não sou, portanto, isento.
Poderia apresentar duas hipóteses relacionadas à economia interna da empresa para a escolha do editor-chefe do JN:
1) a crise provocada pelo endividamento levou a direção da rede a tomar medidas para cortar de despesas. Em vez de dois altos salários - o de apresentador e o de editor-chefe - para profissionais diferentes, entregou a
chefia ao Bonner. Economizou um salário.
2) como é profissionalmente fraco, não tem experiência de campo, nunca se destacou por nenhuma reportagem, o citado apresentador tem o perfil adequado para o papel de boneco de ventríloquo da direção do Jornalismo.
A resposta para a nossa questão deve estar bem próxima dessas duas hipóteses. De todo modo, os efeitos são devastadores: equipe dividida, enfraquecida e só os mais inexperientes conseguem conviver com o chefe tirano e exibicionista.
‘Infelizmente, é um retrato fiel’, exclamou uma repórter experimentada diante do seu texto.
Eu me sinto constrangido e, creia-me, não sou o único por aqui”.
É a esse tipo de organização que os candidatos à presidência da República devem se submeter se quiserem falar com maior número possível de eleitores. Constrangimento imposto pela concentração absurda dos meios de comunicação existente no Brasil, interferindo de forma perversa no jogo democrático.
Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).
Nenhum comentário:
Postar um comentário