segunda-feira, 4 de julho de 2011

"O Legislativo não faz só o que o Executivo quer"

Via Conteúdo Livre

ENTREVISTA: Marco Maia: "O Legislativo não faz só o que o Executivo quer"

Leonel Rocha e Leandro Loyola

O presidente da Câmara diz que pode colocar em votação projetos que desagradam ao governo Dilma
Presidente da Câmara há cinco meses, o deputado Marco Maia (PT-RS) passou por experiências intensas. Uma crise fez o governo trocar os ministros responsáveis pela negociação política, com os quais ele tratava rotineiramente. Em uma das votações mais importantes até agora sob seu comando, a do novo Código Florestal, o governo foi derrotado – apesar de ter ampla maioria na Câmara. Sobre sua mesa estão projetos que causam arrepios ao Palácio do Planalto, como a regulamentação de gastos da saúde e o piso salarial para policiais. "Não está escrito em nenhum lugar que o Legislativo tem de fazer só o que o Executivo quer", afirma. Na semana passada, na residência oficial da presidência da Câmara, de frente para o Lago Paranoá, Maia concedeu entrevista a ÉPOCA.

QUEM É
Deputado federal, 46 anos, gaúcho, casado, torcedor do Grêmio e pai de um garoto (torcedor do Internacional)
O QUE FEZ
Metalúrgico, foi líder sindical e secretário de Estado no Rio Grande do Sul
O QUE FAZ
Em seu terceiro mandato parlamentar, é o presidente da Câmara dos Deputados


ÉPOCA – A Câmara dos Deputados vai votar assuntos que desagradam ao governo que o senhor apoia, como a emenda que cria um piso salarial nacional para policiais?
Marco Maia – Não pode haver pauta proibida para os deputados. Tenho tranquilidade em pautar todos os temas importantes para a sociedade. A presidente da República e os governadores devem apresentar suas razões para que determinado projeto seja aprovado ou não. O Congresso não pode ser apenas uma casa de concordância com as teses do Executivo. Devemos promover debates, procurar acordos e viabilizar leis que, às vezes, podem desagradar a um ou outro grupo. Há temas que para o governo tem pouco impacto, mas são importantes para a sociedade. Entre eles, estão a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, a criminalização da homofobia ou o aborto. Não está escrito em nenhum lugar que o Legislativo tem de fazer só o que o Executivo quer. Tenho conversado com a presidente Dilma para discutir assuntos que precisam ser mais bem trabalhados entre os dois Poderes. Mas há também momentos de contradição, que devem ser tratados com respeito. Os Três Poderes são independentes e devem trabalhar de forma harmônica. Mas nem sempre a pauta coincide.

ÉPOCA – Como deputado do PT, o senhor se sente obrigado a ajudar o governo na presidência da Câmara?
Maia – Tenho obrigação e estou convicto em apoiar o governo da presidente Dilma. Também entendo que devo dar condições para que o governo possa fazer o melhor na sua gestão. Estou imbuído dessa responsabilidade. Mas isso não significa esconder o debate, impedir que a sociedade se expresse ou a representação parlamentar não seja exercida na sua plenitude. O que precisamos é debater exaustivamente os temas para propor alterações na atual legislação que ajudem a melhorar a qualidade de vida do povo. Tudo o que é definido pelo parlamento tem impacto na vida das pessoas, mas nem sempre o que é votado vai ser bom para o governo. Nos últimos anos, o parlamento votou inúmeras questões fundamentais para que o país chegasse à atual situação de estabilidade e crescimento. Ao mesmo tempo, o Executivo também vive contradições sobre temas em debate no Legislativo. A relação entre os Poderes nunca é uma via de mão única onde o Executivo determina o ritmo das decisões a serem tomadas pelos congressistas.

ÉPOCA – Mais uma vez, há uma revolta no Congresso porque o governo bloqueou a liberação de verbas para emendas dos parlamentares ao Orçamento. Como evitar que isso se repita?
Maia – Faltam regras mais claras e objetivas para a aprovação e posterior liberação de emendas apresentadas pelos parlamentares. Esse debate é recorrente também por falta de habilidade política do Executivo para tratar o tema. É natural que o deputado, ao apresentar a emenda, gere expectativa na comunidade beneficiada com o investimento previsto e postule sua execução. Esse assunto deveria ser tratado com normalidade pelos governos e pelos ministérios. Mas em muitos casos acaba se transformando em moeda de troca, estimulado pelo governo e pelo próprio parlamento. Muitas vezes a implantação de um posto de saúde ou a construção de uma escola nas comunidades carentes só se viabilizaram graças às emendas parlamentares. As emendas deveriam ser tratadas como a democratização da elaboração do Orçamento, o verdadeiro orçamento participativo, desde que sejam apresentadas com critério e finalidade objetiva para evitar os desvios que infelizmente existem.

ÉPOCA – O senhor concorda com o bloqueio dos restos a pagar (despesas previstas no Orçamento do ano anterior, mas não pagas) para ajudar o governo a ajustar suas contas?
Maia – Esse tema não é uma questão apenas do parlamento porque tem impacto na vida das pessoas. Se a emenda ao Orçamento estiver dentro das regras previstas e se encaixar nos macroprogramas do governo, se o projeto a ser financiado com dinheiro público é viável e a obra já começou, os restos a pagar precisam ser liberados.
"Tenho obrigação em apoiar o governo Dilma. Mas isso não
significa esconder o debate, impedir que a sociedade se expresse"

ÉPOCA – A articulação política do governo com o Congresso melhorou com a troca da dupla Palocci-Luiz Sérgio por Gleisi-Ideli?
Maia – Ainda é cedo para avaliar. As ministras Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvati (Relações Institucionais) ainda estão tomando pé da situação, conhecendo suas atribuições. Mas a alteração feita pela presidente Dilma, com atribuições mais claras e objetivas repassadas aos dois ministérios, vai contribuir muito para a melhora do relacionamento entre Executivo e Legislativo.

ÉPOCA – O PT e o PMDB, os dois maiores partidos da base de sustentação do governo, vivem em disputa permanente desde a posse da presidente Dilma. Isso pode comprometer a aliança?
Maia – Nos últimos anos, PT e PMDB construíram uma aliança muito sólida que foi responsável pelas vitórias seguidas de Arlindo Chinaglia (PT), Michel Temer (PMDB) e a minha eleição para a presidência da Câmara. Esse acordo tem sido responsável por dar governabilidade e sustentabilidade ao governo da presidente Dilma e consolidar as políticas de governo. Os dois partidos sabem que têm responsabilidades neste processo. O acordo entre as duas legendas é para escolher um nome do PMDB para a próxima presidência da Câmara, e o PT vai cumprir. É natural que os partidos da aliança de apoio à presidente queiram ter representação no governo e ver seu programa partidário implementado. Isso não é crise.

ÉPOCA – O PT está criando problemas para o governo na Câmara?
Maia – Não está. O PT tem uma responsabilidade maior na aliança e deve ajudar a conduzir o parlamento para que não haja avanços desnecessários em alguns temas ou retrocesso em outros. Para isso, o partido deve abrir mão de algumas teses e convicções para que as matérias em discussão na Câmara possam produzir avanços em nome da governabilidade, do crescimento e do desenvolvimento do país.

ÉPOCA – Mas a disputa interna no PT ficou clara na crise que culminou na saída do ministro Antonio Palocci. Também criou dificuldades dentro do Congresso.
Maia – Não é verdade. Quem analisar as votações na Câmara este ano vai constatar que o resultado foi muito positivo. Nestes cinco meses votamos mais de 200 proposições, 20 medidas provisórias, criamos três empresas públicas, aprovamos o novo salário mínimo e o Código Florestal.

ÉPOCA – A reforma política será votada neste ano?
Maia – Nós vamos votar a reforma política porque estamos com uma boa perspectiva de acordo entre as bancadas. Não sei se dará tempo para que a nova legislação comece a vigorar já para as eleições municipais. Mas para as próximas eleições de presidente, governadores e deputados já teremos um novo modelo legal.

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