Novos capítulos na batalha dos pedestres pela sobrevivência
Os pedestres de São Paulo, melhor dizendo, os pedestres de quase todo o País, enfrentam diariamente uma luta para chegarem vivos aos seus destinos.
Os obstáculos são inúmeros: vias intransitáveis, calçadas e passarelas inexistentes, transporte público ineficiente e perigoso, motoristas arrogantes e raivosos, além do desrespeito continuado e cotidiano das faixas a eles destinados.
Essa verdadeira guerra pela sobrevivência causou, no ano passado, a morte de 630 pessoas por atropelamento, apenas na capital paulista. No total foram 20 atropelamentos por dia com uma média de 2 mortes diárias.
Os números correspondem, segundo a CET – Companhia de Engenharia de Tráfego – a 46% do total de 1.357 mortes associadas à violência no trânsito em São Paulo.
Grosso modo, pessoas não motorizadas, além de não estarem se beneficiando desse meio de transporte, acabam por ser vitimadas por ele. Uma triste e absurda ironia do destino!
Uma campanha para cumprir a lei já existente
Diante de números tão chocantes, as autoridades públicas foram obrigadas a tomar algumas iniciativas pontuais visando minimizar tal selvageria.
Uma delas nada mais foi do que obrigar motoristas a respeitar, conforme já determina o Código Nacional de Trânsito, ou seja, dar passagem ao pedestre quando este for atravessar a faixa de… pedestres.
No começo de maio a Prefeitura de São Paulo criou um programa em 8 áreas chamadas de Zonas de Máxima Proteção ao Pedestre (ZMPPs) onde vem sendo realizado um difícil trabalho de orientação e fiscalização dos veículos, cujo principal objetivo é o de educar os mal acostumados motoristas, senhores dos espaços públicos, a agir mais do que no cumprimento da lei, como pessoas minimamente civilizadas.
De acordo com os objetivos do programa, bastaria ao cidadão pedestre esticar seu braço para sinalizar a outro cidadão dentro de um veículo motorizado, para que este último interrompesse sua circulação e cedesse gentilmente a passagem ao cidadão pedestre para a travessia na faixa.
Nesse período inicial de campanha, orientadores agitaram bandeiras sinalizando que pedestres querem fazer a travessia e fiscais da CET interromperam o trânsito para garantir uma passagem tranqüila.
A distância entre intenção e gesto
Tudo muito simples e de fácil compreensão. Afinal, se uma pessoa dirige um veículo, ela está, teoricamente, de posse de suas melhores faculdades mentais.
Se possui um carro, podemos concluir que essa pessoa tem o mínimo acesso a meios de comunicação como rádio e televisão, quem sabe seja capaz de ler e entender as informações publicadas por uma revista ou jornal, portanto plenamente capaz de compreender suas responsabilidades e obrigações.
Mas a realidade é bem diferente e mais parece um devaneio, uma utopia sonhar com um mundo assim!!
Basta acompanhar os resultados empíricos desses dois meses de campanha. O que vem ocorrendo quando os fiscais não estão presentes?
Qual o comportamento dos motoristas? Bem, nesse caso, como pedestre assíduo e diário exatamente nas áreas destacadas pelo programa, posso afirmar com propriedade: NADA!
Tenho visto in loco que em sua maioria esmagadora, os motoristas continuam a fazer o que sempre fizeram, ou seja, ignorar e desrespeitar os direitos dos não motorizados.
Pesquisas realizadas pelo órgão de engenharia de tráfego junto aos motoristas constataram o quão ainda estamos distantes de uma solução, isso se formos depender de uma mudança de comportamento pela via do bom senso. Aliás, bom senso é algo que falta na própria percepção dos motoristas em relação as suas atitudes incivilizadas.
Os estudos concluíram que mais de 40% (pelo menos 4 entre 10 motoristas) alegam não parar na faixa de pedestres por temer acidentes. Eles acreditam que o carro de trás não vai parar e o choque, portanto, seria inevitável. Nessa visão torta, não parar nas faixas significaria em última instância, evitar acidentes.
Outros dizem que, quem não para, é o veículo de trás. Alguns cinicamente, diga-se de passagem, quer dizer de não passagem, desrespeitam pedestres pelo nobre motivo de não atrapalhar viaturas e ambulâncias.
Mas também, existem motoristas sinceros, não param porque simplesmente estão com pressa e ponto final. Até na percepção de achar que fazem o certo (ou será mesmo uma mentira deslavada?), nossos condutores respondem com a maior sinceridade.
Quando perguntados se respeitam os direitos dos pedestres, 76,8% disseram que sim. O irônico é que dessa parcela expressiva de cidadãos conscientes de seus deveres, 89,6% fizeram exatamente o contrário momentos antes da resposta e em várias situações colocaram a vida de pessoas em risco.
Pensar mais no coletivo e menos no individual
Loucos ou cínicos, o certo é que temos um longo caminho pela frente para mudar essa realidade nefasta de guerra urbana sem trégua.
Como pedestre, cidadão paulistano e brasileiro peço, encarecidamente, que as autoridades de transporte não desistam diante de tamanhas dificuldades.
A campanha precisa ser mantida, ampliada e passar a punir os infratores, pois infelizmente, o bolso acaba por ser uma boa argumentação civilizatória.
Para que possamos viver em cidades mais civilizadas, seguras e sustentáveis será preciso persistir. Os interesses coletivos devem, com exceções é claro, prevalecer sobre os individuais. O que acontecer em São Paulo será exemplo, bom ou ruim, que poderá num futuro próximo ser replicado em outras cidades do país.
As cidades pertencem às pessoas estejam elas de carro, bicicleta, a pé, de skate ou patinete, tanto faz, os direitos devem ser os mesmos.
Fora disso está a barbárie, injustiças e tragédias cotidianas as quais, tristemente, estamos bem acostumados e acomodados.
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