Drogas, guerra ou descriminalização?
Por Rui Martins
Berna (Suiça) - « Não precisamos pedir licença para ninguém » justificou o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso ao explicar a falta de apoio da Agência especializada da ONU, para a Comissão Global de Políticas sobre Drogas, criada, em Genebra, e da qual é presidente.
Financiada principalmente pela Open Society, Ong da Fundação Soros, a iniciativa não é nova mas uma ampliação internacional de uma comissão similar, ao nível sulamericano, cujo documento principalDrogas e democracia: em busca de um novo modelo, foi divulgado há dois anos.
Esse documento base, agora reforçado, coloca a questão de uma nova abordagem do combate às drogas e aos traficantes, afirmando que a atual guerra às drogas, aplicada principalmente pelos EUA, é um fracasso. Um exemplo citado pelo ex-presidente colombiano Cesar Gavíria, é a existência de 500 mil presas nos EUA por envolvimento com drogas, a maioria simples consumidores.
Para Ruth Dreyfus, ex-presidente e conselheira federal da Suíça, os danos provocados pela guerra ao tráfico das drogas são mais dispendiosos, mais funestos em termos sociais e provocam mais mortes, no combate com os traficantes, que o próprio consumo das drogas. E todos estão de acordo: os traficantes, pelo volume de seu comércio e suas máfias constituem uma ameaça em muitos países.
Caso típico é a Guiné-Bissau, considerada a mais importante plataforma do tráfico para a Europa e um verdadeiro Estado-traficante, sem se falar nos países asiáticos produtores do ópio. FHC afirma a respeito que são os consumidores de drogas os responsáveis pela existência de países comprometidos de tal forma com as drogas. Por sua vez, a ex-presidenta suíça Ruth Dreyfus acha ser preciso se dar outros tipos de cultura, em troca, aos agricultores que vivem do ópio ou da coca, não basta simplesmente se destruir suas plantações.
Além de ex-presidentes latinoamericanos e intelectuais como Carlos Fuentes e Vargas Llosa (ambos ausentes) há novos participantes na Comissão presidida por FHC, como a ex-presidente suíça Ruth Dreyfus, Javier Solana, ex-membro espanhol na UE, Michel Kazatchkine, diretor do Fundo Global de Luta contra a Sida e outras personalidades e empresários.
Para FHC, o momento talvez não fosse o mais oportuno. Quase ao mesmo tempo em que defendia a descriminalização das drogas, a nova presidente Dilma Roussef demitia um secretário do seu governo por ter feito declarações sem autorização a esse respeito. Por sua vez, o site Carta Maior lembrou que, durante seus oito anos de presidência, FHC seguia o modelo norteamericano de guerra implacável às drogas, incluindo seus consumidores, cuja cópia queria aplicar no Brasil. E por que, justamente quando não é mais presidente, defende uma posição justamente contrária ?
As mesmas críticas foram ao ex-presidente Cesar Gavíria, ex-presidente da Colombia que, no decorrer de seu mandato, pouco teria feito para impedir o desenvolvimento do narcotráfico e de figuras como as da família Escobar.
Fernando Henrique faz uma diferença entre descriminalizar e despenalizar as drogas, e acentua ser contra uma simples liberação, mas em favor de uma regulamentação do consumo, como ocorre com o álcool e o tabaco. Os viciados, vítimas das drogas, não devem ser presos - diz ele -mas devem receber tratamento médico, seguindo-se nisso a política aplicada pela Holanda, Suíça e Portugal.
O ex-presidente, num artigo publicado no jornal suíço Le Temps fez o elogio da política suíça, que diminuiu o número de infectados pela Aids com a distribuição gratuita de seringas e utilização da metadona como droga substituta. Entretanto, é bom lembrar que as cenas abertas para consumo livre de drogas, em Zurique e Berna, foram experiências com resultados negativos e rapidamente abandonadas.
----------------------------------------------------Sobre o autor deste artigoRui Martins - BernaJornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, ex-membro eleito no primeiro conselho de emigrantes junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreve para o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress.
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