A história passada a limpo

Incompreensíveis, porque não há nada que justifique o não esclarecimento desses crimes. Nem a Lei de Anistia, como acaba de provar o promotor do Ministério Público Militar do Rio, Otávio Bravo, que abriu procedimento para investigar os responsáveis pelo desaparecimento de 40 militantes levados para unidades militares no estado durante o regime militar.
Segundo Bravo, esses crimes só estariam prescritos e seus responsáveis anistiados se tivessem terminado. Ao comparar os desaparecimentos a sequestros, o procurador mostrou que estão inconclusos e que é preciso saber os seus desfechos. Se as pessoas morreram (e em que circunstâncias), se foram libertadas ou fugiram.
A Argentina puniu seus torturadores da mesma forma e levou até o ex-presidente Jorge Rafael Videla à cadeia. Se a Argentina foi capaz de investigar os crimes cometidos pela ditadura, o Chile fez o mesmo e também o Uruguai, qual a razão desse tabu no Brasil?
Embora seja fundamental a participação do governo, essa virada de página infeliz da nossa história pede a participação de toda a sociedade. A Ordem dos Advogados do Brasil já faz uma bela campanha de abertura dos arquivos da ditadura, com artistas famosos interpretando militantes desaparecidos e perguntando se essa tortura nunca irá acabar.
Mas seria necessária uma campanha maior, nacional, através de instituições respeitáveis, como a própria OAB, a ABI, a CNBB e outras que representam a sociedade brasileira, para a instalação de uma comissão da verdade que deixasse claro de uma vez por todas quem foram os responsáveis pela execução da política de extermínio e seus executores. A imprensa deveria encampar esse movimento, com a Folha de S.Paulo à frente, já que considera que a ditadura militar brasileira foi branda. A considerar os termos de comparação da Folha, se a ditadura argentina, que fez um número muito maior de vítimas, foi investigada e punida, isso seria muito mais fácil no Brasil.
Agora mesmo, está em exibição na Câmara dos Deputados, em Brasília, a mostra "Não tens epitáfio, pois és bandeira" sobre a vida do ex-deputado Rubens Paiva, levado de sua casa, por supostos agentes da Aeronáutica, em janeiro de 1971, à frente da mulher e dos filhos, e que jamais voltou. Cassado pelo golpe militar de 1964, Rubens Paiva não pegou em armas para enfrentar a ditadura e resistia pacificamente, com endereço e trabalho fixo. Depoimentos e evidências posteriores indicam que teria sido morto após sessões de tortura. Uma de suas filhas, Vera Paiva, professora da USP, compareceu à exposição e defendeu a punição aos torturadores.
Essa é uma história, de uma família, profundamente marcada por um episódio ocorrido há 40 anos e até hoje não totalmente esclarecido. O Brasil tem mais de 300 mortos e desaparecidos políticos e muitas outras histórias de dor e sofrimento de famílias inteiras. O fato é que o país não tem mais como conviver com essa mancha. O Brasil respira ares de liberdade, avança na distribuição de renda e na melhoria de seus indicadores, mas tem essa sombra a persegui-lo. Assim como as desigualdades incomodam e nos fazem lutar por um país mais justo, o conhecimento de episódios tão violentos, executados como política de Estado, exige a nossa indignação.
Mair Pena Neto, Direto da Redação
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