quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A história e a verdade

Via Terror do Nordeste

A história passada a limpo

Com a vitória de Dilma Rousseff nas últimas eleições presidenciais aumentaram as esperanças de que o Brasil finalmente passe a limpo sua história, investigando as torturas e desaparecimentos promovidos pelos órgãos de repressão durante a ditadura militar. Afinal, ela mesma uma vítima dos porões, haveria um empenho maior do governo em resolver essa questão, que, por motivos incompreensíveis, não segue adiante.

Incompreensíveis, porque não há nada que justifique o não esclarecimento desses crimes. Nem a Lei de Anistia, como acaba de provar o promotor do Ministério Público Militar do Rio, Otávio Bravo, que abriu procedimento para investigar os responsáveis pelo desaparecimento de 40 militantes levados para unidades militares no estado durante o regime militar.


Segundo Bravo, esses crimes só estariam prescritos e seus responsáveis anistiados se tivessem terminado. Ao comparar os desaparecimentos a sequestros, o procurador mostrou que estão inconclusos e que é preciso saber os seus desfechos. Se as pessoas morreram (e em que circunstâncias), se foram libertadas ou fugiram.


A Argentina puniu seus torturadores da mesma forma e levou até o ex-presidente Jorge Rafael Videla à cadeia. Se a Argentina foi capaz de investigar os crimes cometidos pela ditadura, o Chile fez o mesmo e também o Uruguai, qual a razão desse tabu no Brasil?


Embora seja fundamental a participação do governo, essa virada de página infeliz da nossa história pede a participação de toda a sociedade. A Ordem dos Advogados do Brasil já faz uma bela campanha de abertura dos arquivos da ditadura, com artistas famosos interpretando militantes desaparecidos e perguntando se essa tortura nunca irá acabar.


Mas seria necessária uma campanha maior, nacional, através de instituições respeitáveis, como a própria OAB, a ABI, a CNBB e outras que representam a sociedade brasileira, para a instalação de uma comissão da verdade que deixasse claro de uma vez por todas quem foram os responsáveis pela execução da política de extermínio e seus executores. A imprensa deveria encampar esse movimento, com a Folha de S.Paulo à frente, já que considera que a ditadura militar brasileira foi branda. A considerar os termos de comparação da Folha, se a ditadura argentina, que fez um número muito maior de vítimas, foi investigada e punida, isso seria muito mais fácil no Brasil.


Agora mesmo, está em exibição na Câmara dos Deputados, em Brasília, a mostra "Não tens epitáfio, pois és bandeira" sobre a vida do ex-deputado Rubens Paiva, levado de sua casa, por supostos agentes da Aeronáutica, em janeiro de 1971, à frente da mulher e dos filhos, e que jamais voltou. Cassado pelo golpe militar de 1964, Rubens Paiva não pegou em armas para enfrentar a ditadura e resistia pacificamente, com endereço e trabalho fixo. Depoimentos e evidências posteriores indicam que teria sido morto após sessões de tortura. Uma de suas filhas, Vera Paiva, professora da USP, compareceu à exposição e defendeu a punição aos torturadores.

Essa é uma história, de uma família, profundamente marcada por um episódio ocorrido há 40 anos e até hoje não totalmente esclarecido. O Brasil tem mais de 300 mortos e desaparecidos políticos e muitas outras histórias de dor e sofrimento de famílias inteiras. O fato é que o país não tem mais como conviver com essa mancha. O Brasil respira ares de liberdade, avança na distribuição de renda e na melhoria de seus indicadores, mas tem essa sombra a persegui-lo. Assim como as desigualdades incomodam e nos fazem lutar por um país mais justo, o conhecimento de episódios tão violentos, executados como política de Estado, exige a nossa indignação.

Mair Pena Neto, Direto da Redação

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