sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Velha mídia não entende: Dilma é fruto do lulismo

Via Biscoito fino e a massa
O triste destino do anti-lulismo, por Paulo Candido

Um dos efeitos mais impressionantes dos oito anos de governo Lula foi a incorporação orgânica da conservação ao projeto de país ora conduzido e liderado principalmente pelo PT. Este fenômeno parece ter escapado à imprensa anti-Lula, à oposição partidária parlamentar e mesmo, em parte, aos que se querem ideólogos da direita.

A imprensa parece perdida. Calada. Entre a eleição e a posse, alguns veículos e colunistas imaginaram que poderiam ditar à presidenta o ritmo de escolha de ministros e a formação “ideal” de seu governo, como se este fosse um governo novo, inédito. Como se Dilma não tivesse vencido a eleição como a herdeira de Lula.

[Eu uso logo a inflexão de gênero simbólica, para marcar lado. Nossa ridícula grande imprensa, a Folha e o Globo à frente, insiste em “a presidente” por uma contrariedade infantil que logo se tornará apenas falta de educação. Nesta segunda mesmo O Globo publica uma nota informando que “A presidente estreia … o programa “Café com a Presidenta”. Não podendo modificar o nome do programa, o Globo escolhe deixar o leitor imaginando sobre o que a presidente conversará com a presidenta...]

Um ou outro analista ainda consegue ânimo para elogiar Dilma por seu “silêncio”, contrastado sempre positivamente com o “ruído” constante que Lula produzia. Mas rápido os mesmos analistas quase se lamentam da falta de uma pauta negativa. Um ou outro encontra ânimo para criticar o ministério, mas para logo notar que estamos ainda falando do mesmo – as mesmas pessoas, o mesmo programa de governo, a mesma base parlamentar, agora apenas um pouco maior. Nem mesmo uma tragédia da magnitude da que aconteceu na Serra do Rio conseguiu acordar os abutres de ontem. Alguém dúvida que um ano atrás Lula seria pessoalmente acusado pelas centenas de mortes em dezenas de artigos e editoriais?

A oposição partidária se desfaz de forma quase indecorosa. Ao final do processo eleitoral a oposição e sua imprensa tentaram cantar alguma vitória. Quarenta e quatro milhões de votos pareciam dar a José Serra o direito de nos ameaçar com seu breve retorno. Aécio Neves entendeu bem a frase “Isto não é um adeus, é um até logo” de seu companheiro e colocou seus planos para 2014 e 2018 em movimento imediatamente. O DEM, atrelado ao PSDB no plano nacional há oito anos, parece querer obedecer Lula ao pé da letra – como a eleição não foi suficiente para “extirpar” este partido da política nacional, os democratas contemplam o haraquiri público. As siglas tributárias menores, PPS e PV, se uniram em um “bloquinho” na esperança de ao menos não morrerem de solidão. Se Marina Silva conseguir firmar-se como liderança nacional talvez haja futuro para o PV e sobrevida para o PPS, na sua função de sigla auxiliar de alguma força que possa lhe dar alguma visibilidade e talvez algum cargo (uma subprefeitura ou talvez a coordenação de algum assunto virtual, qualquer coisa assim). Enquanto isto os dez governadores eleitos da oposição (oito do PSDB e dois do DEM) já declararam seu amor incondicional pela presidenta e por seu governo. La nave vá.

Esta catástrofe iminente, este pânico um tanto deslocado, eles não deixam de ser algo surpreendentes. Afinal, não custa repetir, a oposição conquistou de forma legítima 44 milhões de votos e 10 governos estaduais, entre eles São Paulo e Minas. Não haveria muita dificuldade em “recuar para os estados” e gestar um retorno organizado em 2014 ou 2018, até mesmo coordenando os programas estaduais em contraponto ao governo federal. Claro, alguém vai objetar que estamos falando da oposição brasileira, uma gente que em oito anos não conseguiu sequer articular um programa de governo alternativo minimamente coerente ( “Eu vou melhorar o que está dando certo e arrumar o que está dando errado” não é um programa de governo, é só um desejo ardente que ninguém pergunte muito).

Os ideólogos, enquanto isto, se descabelam. Denunciam Aécio por trair Serra. Denunciam o rebaixado deputado Guerra por apoiar Aécio. Quase choram com as trapalhadas do DEM (que se dão também em torno de e incentivadas por Aécio). Pedem oposição sem tréguas ou prisioneiros ao governo Dilma. Mas neste quadro de derretimento de seus partidos, não se sabe a quem pedem tal oposição. Com certeza não a Aécio. Cabe aqui o desvio. Me parece que há um engano sério em considerar tanto o PSDB quanto o DEM representantes naturais do conservadorismo no Brasil. E seguindo o rastro deste engano talvez nós possamos levantar uma ou outra ideia sobre a situação atual e futura da oposição e do governo

A interpretação que segue passa por caminhos pouco trilhados. Não a considero exclusiva nem principal, mas suplementar. Não é o caso de desprezar os fatores pessoais, as rivalidades internas, as avaliações estratégicas de cada grupo como causas do quadro triste que a oposição nos apresenta. Mas acho que vale acrescentar um fator menos aparente e mais simbólico, por assim dizer. E talvez o suplemento se mostre essencial para definir e entender o estado das coisas oposicionistas.

Eu proponho que, com o encerramento dos dois governos de Lula tanto o PSDB quanto o DEM perderam sua razão de existir. E que junto com sua razão de existir ambos perderam também muito de sua vontade de viver.

O PSDB nasce no final do anos 80 do século passado, aparentemente como uma reação a Quércia, mas quase imediatamente se torna a alternativa paulista preferencial ao projeto do PT. Pode-se dizer que o PSDB nasce unicamente para o poder, para se aproximar dele e tomá-lo o mais rápido possível. Abortada a tentativa de aderir ainda ao governo Collor, o partido adere ao governo Itamar e, graças ao plano Real, assume o poder em 1994. Assume no mesmo ano o governo de São Paulo, seu estado natal e para sempre sua jóia mais cara. Todo o trajeto do PSDB até a derrota em 2002 é marcadamente social-democrata (e isto é importante frisar). Para o bem ou para o mal, os tucanos estarão para sempre identificados com uma centro-esquerda universitária e com uma classe média mais ou menos progressista (no sentido globalizado da palavra), ainda que seu suporte no complexo financeiro e suas alianças à direita mostrem suas contradições. Mas, do 18 Brumário de Luis Bonaparte até o 31 de outubro de José Serra, a social democracia sempre foi este pensamento pendular que quer ser ao mesmo tempo capital e trabalho.

O DEM nasce em 2007 da mudança de nome do PFL, partido que abrigou os políticos mais “liberais” dentre os que apoiavam a ditadura e os mais “conservadores” dentre os que a ela faziam oposição. Gente como Antônio Carlos Magalhães e Marco Maciel. E nasce de um desejo de, ao mudar a geração de seus membros, mudar também a natureza de seu discurso. O DEM deseja desde o primeiro momento ser o partido conservador brasileiro e é assim recebido pela imprensa e pelos ideólogos mais à direita da imprensa. A vida real tende a desmanchar rapidamente nossos desejos: tanto a tentativa de renovação quanto qualquer ilusão de independência que o DEM pudesse ter fracassaram sob o impacto da realidade eleitoral e partidária de 2010. O partido não teve a capacidade de apresentar candidatos viáveis nem à Presidência nem à maioria dos estados. Seu futuro, caso continue existindo, parece ser o de eterno assistente à direita do PSDB, algo como uma garantia de bom comportamento ante às parcelas mais conservadoras da opinião pública.

Até aqui, nada de novo ou original. De um lado um partido esquerda com fortes raízes nos movimentos populares e no sindicalismo, ao centro um partido social-democrata cujo verniz de esquerda ajuda a dourar a pílula do nosso capitalismo modernizante e à direita os conservadores fiscais e sociais. Exceto que entre isto e o mundo houve Lula.

Desde sempre, mas especialmente após a vitória em 2002, a relação da imprensa com Lula foi marcada pelo preconceito de classe. Um os primeiros efeitos do preconceito é a cegueira. Cegos por seu desprezo, os analistas da grande imprensa jamais acreditaram em Lula ou em seu governo. Aguardaram o desastre como abutres aguardando a morte de sua presa. Em 2005 tiveram seus dias de glória, a vitória e o retorno ao que entendem (ainda) por “normalidade” ao alcance da mão.

Incentivados e fundamentalmente dependentes de sua relação com esta imprensa, os partidos de oposição se deixaram redefinir, para além de suas diferenças ideológicas ou programáticas, como partidos anti-Lula. Não fundamentalmente anti-PT nem anti-esquerda, nem ao menos anti-governo, mas anti-Lula. Desinformados pelo preconceito de seus próprios intelectuais e jornalistas, estes partidos e seus políticos se deixaram enredar numa armadilha magistral tecida pelo PT por mais de uma década antes da chegada ao poder. Uma armadilha que os levou de representantes naturais de determinados grupos sociais a um vazio ideológico que ao que tudo indica não tem volta ou saída.

O pânico cultivado durante os meses que antecederam à vitória de Lula em 2002 ajudou a criar um primeira cortina de fumaça, especialmente ao ser substituído por um alívio coletivo. O PT no poder não estava destruindo a economia, estatizando meios de produção e expropriando latifúndios. Naquele primeiro momento, forçado a uma aliança com pequenos partidos e pedaços esparsos do PMDB, o governo Lula apenas cuidava de consertar a administração econômica desastrada dos últimos anos de FHC e a lançar pequenos balões de ensaio em direção à sociedade, como o Fome Zero. A cara do governo não era muito diferente do governo anterior, ainda que o espírito fosse completamente outro. Onde havia um marasmo e uma resignação à nossa pequenez e desimportância ante à globalização e aos desejos dos países centrais, aparecia agora uma estranha altivez, um orgulho que a análise preconceituosa interpretou como bravata de um presidente despreparado. Orgulho de pobre, por assim dizer.

Mas a impressionante retórica de Lula e sua inteligência, somados a operadores sutis e extremamente habilidosos e competentes como Dirceu, Palocci e Dilma (esta última ainda considerada apenas uma ministra “técnica”) escondia um movimento que apenas no final do primeiro mandato, já sem os dois primeiros, se revelaria inteiro.

O preconceito e a ignorância da imprensa e da oposição ajudou muito. Na verdade, ambos foram instrumentais na construção do Lula mitológico, tanto por ação quanto por inação. Ao atribuir a Lula uma estatura quase divina, a oposição apenas fez crescer o mito e efetivamente passou a enfrentar um fantasma, um espectro. Não era contra o Lula real e seu governo que gente como Artur Virgílio e Tasso Jereissati bradava nas tribunas do Senado, mas contra um monstro de sua própria invenção, cujas intenções traduziam os temores e desejos profundos da oposição muito mais que as ações do governo: terceiro mandato, ameaças à liberdade de expressão, aparelhamento do Estado, só para citar alguns (a lista é imensa). Combater cada uma destas fantasias exigiu esforços sobre-humanos da oposição. Esforços absolutamente infrutíferos: as fantasias continuam tão fortes quanto antes pois, enquanto fantasias, não podem ser destruídas por combate direto. Na verdade nem existem, exceto no inconsciente de seus receptáculos (no caso em pauta, no inconsciente coletivo de uma certa elite intelectual e política).

Enquanto a oposição se desgastava combatendo um Lula imaginário e ajudando a definir por contraste o que André Singer chamou de “lulismo”, aumentando cada vez mais a estatura mitológica do presidente, o Lula real e seus auxiliares operavam para destruir qualquer possibilidade da oposição vencer a luta real. De uma forma quase cruel, a vitória em 2006 sobre a tentativa de golpe e o segundo mandato, com a maturação dos programas sociais, a aliança ampla com o PMDB e a inserção dos novos programas (PACs, Minha Casa Minha Vida, etc) subtraem da oposição muito mais que bandeiras, retiram dela sua própria identidade política.

Em primeiro lugar, os projetos sociais de largo alcance do governo Lula acoplados à gestão eficiente da economia retiram de forma brutal o PSDB do espaço social-democrata no espectro político. O Partido da Social Democracia Brasileira havia governado o país por oito anos e feito nada ou quase nada pelos miseráveis, exceto repetir o discurso liberal (no sentido bem clássico) de salvação pelo mercado. O Bolsa Família foi recebido por esses sociais democratas com resmungos de Bolsa Esmola. Outros programas não tiveram recepção melhor. Seu auto-engano é tal que ainda esta semana a coordenadora de Internet da campanha da oposição escreve em seu blog, talvez esquecida que a campanha terminou faz mais de três meses, que “estamos saindo de um governo entre medíocre e horrível”. Claro que a ex-subprefeita vive uma confortável vida de classe média em um bairro central de São Paulo. E claro que a candidata do governo medíocre e horrível venceu a eleição contra o ex-governador apoiado pela ex-subprefeita (ex-governador que então só poderia então ser adjetivado ao inverso, de excelente e lindo? Serra?).

Em segundo lugar, não menos importante na avaliação geral do governo, durante os mandatos de Lula o Brasil se tornou uma voz ativa no cenário internacional. Sob vaias e críticas pesadas da imprensa e de seu braço político, incapazes de enxergar a necessidade e a oportunidade única do que estava sendo feito. Aliás, neste aspecto o governo FHC foi mais que medíocre, beirou a alta traição. Sempre pronto a “retirar os sapatos” para as necessidades das grandes potências, é até espantoso que o Brasil não tenha seguido a Argentina na aventura iraquiana de Bush. De 1994 a 2002 tudo se passou como se Fernando Henrique, muito ao contrário de “esquecer o que escreveu”, tentasse dar ao mundo uma demonstração prática da Teoria da Dependência.

Por fim, a criticada aliança à direita, aliança que repetia quase que integralmente a aliança do governo anterior inclusive nos nomes (Nelson Jobim, Renan Calheiros, os Sarney e uma longa lista de etceteras), completou durante o segundo mandato o movimento de pinça, negando ao DEM seu habitat natural e fechando na prática a porta conservadora ao PSDB (como a última campanha, ao invés de refutar, demonstrou).

Este último ponto merece ampliação. O Brasil é um país conservador. Mesmo se não existissem as inúmeras pesquisas confirmando tal percepção, um simples passeio atento pelas ruas é suficiente para verificar tanto a religiosidade que perpassa todos os aspectos da vida social do país quanto o racismo, a homofobia, o machismo e a violência generalizada contra grupos fragilizados (incluídos, além das óbvias minorias implicadas antes, todos os pobres e miseráveis). Mas este conservadorismo não se traduz nem em linhas partidárias claras nem em um programa único. O Brasil é um país conservador sem conservadores, por assim dizer, pois não necessita deles. O estado natural não precisa se explicar ou se fazer representar, ele simplesmente é.

Assim, os conservadores se espalham por todos os partidos e se dividem pelas bandeiras conservadoras de forma não-linear. Além disto, fora das caricaturas ideológicas da imprensa e da internet, não existe “o conservador”. A mesma pessoa pode ser contra o aborto e a favor do casamento homossexual. Contra a abertura dos arquivos da ditadura e a favor da liberação da maconha. O mesmo intelectual pode achar que raça não existe mas que o Bolsa Família é uma boa ideia. Ou seja, o objetivo político mais interessante não é se identificar claramente como conservador mas se tornar fiador do discurso da conservação.

E fiador do discurso da conservação, não por palavras mas por atos, o PT se tornou. Exemplos não faltam. A senadora Katia Abreu pode espernear seu oposicionismo agrícola à vontade, mas foi durante o governo Lula, com o Incra supostamente “aparelhado” pelo MST, que a reforma agrária saiu da pauta da sociedade. Não se abriram os arquivos da ditadura. Andou-se muito pouco na proteção das minorias. A mera discussão dos direitos reprodutivos se tornou anátema. Há inúmeros exemplos. Todo o discurso radical caiu por terra, seus representantes isolados ou mesmo expulsos do convívio “civilizado”. As determinações econômicas se sobrepuseram sem trégua a qualquer outra consideração. As necessidades políticas pequenas falaram em um volume quase ensurdecedor.

É preciso enfatizar que o todo do governo é maior que a soma das partes. Nem o governo Lula foi intrinsecamente conservador nem seus sucessos ou fracassos foram absolutos. A garantia da conservação aparece aqui não como simples imobilismo mas como oportunidade de negociação, de luta. O que Lula fez foi apenas retirar aparentemente o governo da frente de batalha, ainda assim deixando avançar as pautas ideológicas pelas bordas. Basta lembrar a Confecom e o PNDH 3, tão atacados pela imprensa e pela oposição.

Qual o resultado deste movimento, do qual eu destaquei três aspectos mais proeminentes (há outros, claro)? O resultado, pode-se dizer, é o governo Dilma e a perspectiva dos lendários 20 anos no poder para o PT e seus aliados. O resultado foi o asfixiamento do PSDB e do DEM, o desaparecimento de seus espaços políticos vitais, a derrota acachapante da oposição parlamentar ao governo Lula. Senadores históricos perderam seus mandatos e vagam insones por suas mansões coloniais no Nordeste, tentando ainda entender o que houve. O próprio presidente do PSDB foi “rebaixado” de senador para deputado.

A aliança oposicionista vai à eleição de 2010 sem programa de governo. Tateando aqui e ali, consegue uma única pauta, o fanatismo religioso do movimento anti-aborto. Que não funciona porque, após o primeiro impacto, a ação das forças conservadoras que apoiam o governo Lula recoloca a campanha no eixo. Serra tenta ser pró-Lula, depois tenta encampar todos os programas sociais do governo Lula como ideias suas ou do PSDB, um erro estratégico por muitas razões. Primeiro porque era mentira, mas isto nunca deteve a oposição. Segundo porque expõe a posição fragilizada de seu partido: não podem mais assumir em discurso o que o governo Lula fez na prática. A exigência de paternidade vem junto com uma admissão implícita de incompetência, geraram programas mas não souberam torná-los ferramentas de transformação social.

Nos anos precedentes tanto a imprensa quanto seus políticos tinham quase certeza de vitória em 2010. Não haveria Lula. Não haveria transferência de votos para um “poste”. A leitura de textos tão recentes quanto o final de 2009 mostra analistas declarando que o candidato do PSDB, Serra ou Aécio na época, venceria fácil. Nenhum deles percebeu que muito antes da escolha de Dilma como candidata o jogo já estava praticamente jogado.

E o “pós-jogo” é psicologicamente avassalador para a oposição. Eu disse antes, PSDB e DEM perderam suas razões originais para existir. Como é possível ser anti-Lula se não há Lula? Tentam, ainda, manchar sua biografia, falar em herança maldita (de Dilma para ela mesma, por sinal), se preocupar com passaportes e férias e aluguel de jatinhos. Mas a realidade concreta sempre se sobrepõe às fantasias. Lula não buscou o terceiro mandato O aparelhamento do Estado é ilusório. A imprensa sempre falou o quis contra Lula e o governo e continua falando (mas agora, outro indicador do preconceito que pautava as redações, sem os subtons de ódio e desprezo sempre presentes nas críticas a Lula). A oposição como que perdeu seu único objetivo, seu único lastro, sua paixão. A oposição perdeu Lula.

Estes partidos não vão desaparecer necessariamente, mas certamente não serão mais a referência. Aécio, quando fala em pós-Lula e em “refundação” indica que entendeu o quadro melhor que muitos. Refundação é um reinício do zero e zero é quase só o que restou das ideias originais do PSDB. A batalha entre aecistas e serristas pelo controle do DEM também mostra que acabou também a aliança automática com o PSDB paulista. É bem possível que grandes parcelas do DEM mudem-se para o PMDB e, consequentemente, para a situação.

Da velha oposição restam os hipnóticos 44 milhões de votos, que Serra não cansa de citar. Entretanto, fora do campo retórico estes votos não são representativos. Não que estes eleitores não o sejam, apenas eles se tornaram agora um problema da vencedora. É Dilma que precisa convencer os que não votaram nela da sua capacidade para o cargo que ocupa. Mas além disto, estes votos não são de Serra. Um quarto deles talvez tenham vindo de Marina, e não apenas dos eleitores conservadores de Marina. Outra parte significativa veio do DEM. E boa parte veio de alas do PSDB agora hostis a Serra. Ou seja, a proposta (por assim dizer) que teve 44 milhões de eleitores se desfez e seu candidato não tem mais nenhum poder sobre estes votos. Insistir em lembrar a votação de 2010 apenas torna mais dolorosa a tarefa de buscar um novo programa de oposição.

Quanto à imprensa da oposição, ela está numa espécie de lua-de-mel com Dilma, espantados com seu estilo discreto e suas atitudes firmes. Ainda sequer notaram algumas mudanças fundamentais na maneira de governar. Oscilam entre reclamar da continuidade e louvar a novidade. Talvez não tenham notado que o governo que entra é uma nova fase de um mesmo movimento, mas não é, de forma alguma, apenas a repetição da etapa anterior (agora sem Lula).

Desta longuíssima análise ainda ficaram de fora alguns pontos importantes. Marina Silva especialmente. Pois Marina talvez seja a encarnação mesma do espírito do governo, uma mescla de ideias de esquerda, um certo conservadorismo social e a perspectiva ambiental, que traria algo de novo para a gestão econômica. Não tenho dúvida que Marina como candidata do PT venceria a eleição no primeiro turno e enterraria a carreira de Serra de forma ainda mais melancólica. Mas a eleição é apenas um ponto de parada em um caminho muito mais longo. Marina talvez seja o pós-Lula, mas só pode existir o pós-Lula após Lula. E em 2010 foi Lula quem venceu a eleição. Eu também apenas mencionei os movimentos de Aécio, que parecem bastante interessantes. E por fim, eu disse que Dilma é a herdeira de Lula. Há imensa diferença entre o mero continuar e o herdar. E Dilma já dá mostras de ser uma herdeira à altura de seu antecessor, gostemos ou não de suas escolhas. Sobre tudo isto falo em outras oportunidades.

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