Heloisa Villela: Corrida para lugar nenhum
Corrida para lugar nenhum
por Heloisa Villela, de Washington
Esse é o título do filme que fui assistir, com meu filho mais novo (de 9 anos), em uma escola pública de nível médio aqui da área. Um filme que está circulando nas escolas dos Estados Unidos, provocando muita discussão. Ele foi produzido e dirigido por uma mãe, Vicki Abeles, que não aguentava mais ver os filhos sofrendo por conta das exigências da escola. Os filhos dela estão no ensino fundamental e no ensino médio. Mas a quantidade de dever de casa e o excesso de atividades extra-curriculares é tanto que a mais velha “deu tilt” e trocou de escola prá ver se as coisas melhoravam.
A mãe, não contente de resolver o problema dentro de casa, decidiu pesquisar o assunto no bairro, na cidade e no país. De cara, esbarrou na história de uma menina de 13 anos que se suicidou, aparentemente depois de tirar “F” em uma prova de matemática quando estava acostumada a tirar “A” em tudo, além de tocar piano e violino. Claro, muito difícil dizer que foi tudo por conta da pressão da escola. Mas para o filme, causa impacto. Deixando de lado o drama particular desta família que perdeu a filha, a aflição diária dos outros personagens reais é mais do que concreta.
Como jornalista, acho que a mãe/cineasta de primeira viagem fez uma reportagem detalhada e emocionante. Como mãe, foi a primeira vez que vi, na tela, as mesmas aflições e revoltas que me assaltam diariamente. Onde já se viu crianças do ensino fundamental passarem o dia inteiro (das 8 e meia da manhã às 3 da tarde) na escola e ainda chegarem em casa com uma batelada de dever de casa? É como disse, recentemente, a mãe de um colega do meu filho mais novo: “se eles passam esse tempo todo na escola e ainda precisam fazer dever de casa, tem alguma coisa errada na escola”.
Também acho. E olha que na escola eles têm apenas uma aula de educação física por semana!! Apenas a hora do recreio para correr um pouco. Quando é que eles vão conviver com os colegas, andar de bicicleta, ficar à toa e criar uma brincadeira do nada? Quando terão tempo livre prá inventar bobagem? Prá praticar a interação com o mundo sem as regras rígidas da escola e a supervisão dos adultos?
O filme mostra que o que vem por aí, para mães como eu, é bem pior. O próximo passo, o ensino médio, é ainda mais puxado. Eles sairão da escola no mesmo horário e terão muito mais dever de casa, projetos e provas. São várias disciplinas, cada uma com sua carga de informação e cobrança. Os alunos que deram testemunho à mãe/diretora contaram que ficam até uma ou duas da manhã escrevendo, lendo e respondendo perguntas. TODOS OS DIAS! Além disso, é preciso participar de um ou dois esportes, clubes e fazer serviço comunitário para construir um histórico de destaque, que interesse, no futuro, a uma das universidade de elite do país: Harvard, Yale, etc.
Então, é isso. A corrida começa bem cedo. As crianças entram no Jardim da Infância enquanto os pais já estão pensando na universidade. E tem que ser uma das dez melhores do país. Como se isso fosse garantir o futuro. O sucesso, como os americanos gostam de enfatizar. O que é esse sucesso? Ganhar dinheiro suficiente para comprar uma casa grande e deixar claro prá sociedade que o sujeito venceu na vida. Como diz uma jovem de uns 15 anos, no filme: “a gente se prepara para entar numa dessas faculdades, trabalhar, ganhar dinheiro, comprar uma casa e depois, ser feliz”. Aí, passou a infância, acabou a adolescência… Que triste.
“Race to nowhere”, o filme, está percorrendo as escolas do país. Virou um “cult. Nao é um sucesso de bilheteria mas convida ao diálogo e tem um site na internet que promove a criação de grupos de discussão em diferentes cidades do país. Organizações de pais estão promovendo sessões dentro das escolas. Imaginei ver mais gente na platéia no dia em que vi o filme. Quem estava lá, ficou para o debate com alunos e professors da JFK High School. Um pai inconformado perguntou a uma das professoras:
– Se vocês sabem que o dever de casa não ajuda nada e que sem ele algumas escolas estão obtendo melhor resultado, por que continuam passando tanto dever? (O filme dá exemplos de escolas que aboliram o dever de casa e entrevista Sara Bennett, autora do livro “The Case Against Homework”).
A resposta foi uma desculpa muito esfarrapada. Segundo a professora, muitos pais pressionam. Exigem os deveres. Mas se ela acha desnecessário e preferiria não roubar preciosas horas de brincadeira e de sono, por que não educa os pais? Não explica a eles que na sala de aula ela tem outras maneiras de checar se a criançada aprendeu a lição? Eu sei que muitos pais são mesmo paranóicos. Obcecados pelo futuro em uma universidade de elite.
Meu filho mais novo foi selecionado para um programa especial, que identifica crianças que podem render mais se tiverem maiores desafios. No dia em que nós, pais desse grupo, fomos conhecer a escola e a professor da turma, uma das mães perguntou: “o que eu faço se meu filho aparecer com uma nota “B”? Ou seja, para ela, o filho tem que tirar “A” sempre. Mas a escola tem que alimentar a ansiedade desses pais?
Fato é que, com a adoção do programa “No children left behind”, do governo George W. Bush, as escolas precisam de bons resultados, nos exames padrão, para continuarem recebendo verbas extras do governo. Quem não apresenta as notas, perde a verba. E no fim das contas, essa pressão toda é repassada para a garotada, claro! É o tal do ensino voltado para as provas. Desde o ensino fundamental!
Outro dia fiquei pensando na mudança de nomenclatura pela qual passou o sistema de ensino brasileiro. Não temos mais escola primária, ginásio, etc. Agora é ensino fundamental, ensino médio, tudo bem parecido com o esquema americano. Ao menos no nome. E espero, sinceramente, que não passe disso. Mas isso é conversa para um próximo post.
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